Estruturas que Não Mudam

Como as redes sociais atualizam a velha disputa por status.

SOCIOLOGIAHISTÓRIA

Vitor da Silva Soares

10/1/20252 min read

Nas redes sociais, possuir o selo de verificado, aquele discreto ícone azul ao lado do nome, tornou-se símbolo de prestígio, status e distinção. Não é apenas uma marca de autenticidade, mas também um passaporte para maior visibilidade e reconhecimento. Contudo, com a possibilidade de comprar esse selo, a hierarquia digital parece reproduzir velhas tensões sociais que remontam ao Antigo Regime.

Durante a monarquia absolutista, sobretudo na França e em Portugal, surgia a chamada nobreza togada: burgueses enriquecidos que adquiriam títulos de marquês, conde ou barão, na tentativa de se aproximar da nobreza tradicional, a de “sangue azul”. Porém, por mais dinheiro que investissem, esses novos nobres enfrentavam o desprezo da aristocracia hereditária, que via na compra de títulos apenas uma simulação de status, incapaz de substituir a linhagem ancestral.

No mundo digital, ocorre algo semelhante. Usuários podem adquirir o selo de verificado, mas isso não garante, necessariamente, reconhecimento legítimo. Há uma diferença entre quem recebe o selo por relevância orgânica (celebridades, artistas, jornalistas) e quem o adquire por assinatura. O primeiro grupo corresponde à nobreza de espada, que herdava prestígio pela tradição; o segundo ecoa a nobreza togada, que buscava ascensão por meio do investimento financeiro.

Pierre Bourdieu afirmava que as estruturas sociais são estruturantes. Ou seja, mesmo quando a sociedade muda de época ou de cenário (da nobreza de sangue ao universo digital), as formas de distinção continuam existindo, apenas se transformam. No passado, o que definia prestígio era nascer com “sangue azul”, ter linhagem nobre ou títulos herdados. Hoje, nas redes sociais, esse papel é ocupado pelo capital simbólico — formas de reconhecimento, prestígio e autoridade que não se baseiam apenas em dinheiro, mas em visibilidade, reputação e legitimação. O selo azul é um exemplo disso: pode ser comprado ou obtido por notoriedade, mas em ambos os casos marca uma diferença entre quem tem e quem não tem. Assim como os brasões e títulos nobiliárquicos de outrora, ele não cria igualdade, e sim uma nova forma de hierarquia.

Seja na corte de Luís XIV ou no feed do Instagram, a busca pelo “sangue azul” mostra que a época mudou, mas a estrutura permaneceu.