Carlos Drummond de Andrade: a poesia que nasceu das perdas

Da morte precoce do filho ao luto da filha Maria Julieta, Drummond transformou dores íntimas em versos

ESCRITORES BRASILEIROS

Vitor da Silva Soares

8/18/20253 min read

Em 1927, nasceu seu primeiro filho, Carlos Flávio, mas a criança morreu meia hora depois de vir ao mundo. No ano seguinte, em 1928, nasceu sua filha Maria Julieta, que se tornaria sua companheira literária e afetiva por toda a vida.

Foi também em 1928 que Drummond publicou, na Revista de Antropofagia, o poema “No meio do caminho”, um dos mais polêmicos e conhecidos da literatura brasileira. Com sua repetição obsessiva da imagem da pedra, o poema foi inicialmente visto como um desafio irônico à tradição poética. Mas, ao longo da vida do autor, essa pedra ganhou novos sentidos.

Muitos leitores e críticos passaram a enxergar nela a metáfora das perdas que atravessaram sua biografia: o filho que morreu logo após nascer, a morte do pai em 1931, os amigos que se foram, e por fim, a perda irreparável da filha Maria Julieta, em 1987.

Assim, o poema que inaugurou sua fama se tornou também o mais íntimo espelho de sua trajetória marcada por obstáculos e lutos.

A perda do pai e o peso da memória

Em 1931, o pai de Drummond faleceu. A morte o atingiu profundamente, e a poesia se tornou cada vez mais o espaço onde ele reelaborava a dor e buscava sentido.

Em versos como “Mãos dadas” (publicado em Sentimento do Mundo, 1940), Drummond revela sua recusa em se fechar no sofrimento individual, buscando transformar sua dor em solidariedade universal:

“Não serei o poeta de um mundo caduco.

Também não cantarei o mundo futuro.

Estou preso à vida e olho meus companheiros.

Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.

Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.”

O poema é, ao mesmo tempo, íntimo e coletivo: Drummond transforma a perda pessoal em consciência histórica, afirmando que a vida só é suportável quando compartilhada.

O peso do mundo nos ombros

As perdas, pessoais e coletivas, se aprofundaram com o tempo. A Segunda Guerra Mundial, as injustiças sociais e as dores privadas se fundiram em sua poesia.

No poema “Os ombros suportam o mundo” (Sentimento do Mundo, 1940), Drummond dá voz a um sujeito cansado, que aprendeu a viver sem ilusões:

“Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.

Tempo de absoluta depuração.

Tempo em que não se diz mais: meu amor.

Porque o amor resultou inútil.

Os ombros suportam o mundo

e ele não pesa mais que a mão de uma criança.”

O poeta que perdera o pai e o filho transforma a dor em consciência filosófica: viver é suportar — e suportar em silêncio.

A perda de Maria Julieta: a pedra definitiva

Mas nenhuma dor se comparou à de 1987, quando sua filha Maria Julieta morreu de câncer, aos 59 anos. Para Drummond, foi a ferida insuportável. Apenas 12 dias depois, em 17 de agosto, ele também faleceu, como se não conseguisse sobreviver à ausência da filha.

É nesse ponto que muitos leitores voltam ao famoso poema de juventude: “No meio do caminho”. A pedra, escrita no início da carreira, parece ter ganhado, no fim, o peso de um destino. Se antes foi escândalo modernista, tornou-se símbolo da dor que o poeta carregou por toda a vida — até encontrar a pedra definitiva: a perda da filha.

O poeta das perdas e da eternidade

Entre tantas dores, Drummond nunca se rendeu ao desespero absoluto. Sua poesia, ainda que marcada pela melancolia, sempre buscou uma saída pela palavra, pela memória e pela solidariedade humana.

Ele transformou perdas em eternidade, dores em versos que ainda tocam leitores de todas as idades.

E talvez seja por isso que, ao falar de sua vida, seus versos ecoem como epitáfios de resistência e ternura. Drummond, afinal, foi o poeta que soube transformar até mesmo a dor mais íntima em poesia universal.